A cena se repete diariamente no mundo inteiro. Alguém procura um pastor ou líder espiritual para reclamar da sua igreja na busca de algo novo. “Preciso sair daquela igreja!” Diz o cristão magoado, “há muita coisa errada por lá!”. E muitas das queixas apresentadas serão legítimas e bem substanciadas. A afirmação parece cair como uma bomba: há pecado na igreja! E o mais triste e talvez até assustador é que é verdade!
Há muita gente ofendida e zangada com a Igreja. Ela é
acusada de se ter tornado uma instituição com tudo o que mal nos vem a mente ao
pensar em institucionalização. E a verdade é que os queixosos estão certos. Há muitos problemas na Igreja! Há mesmo pecado nela. Mas, sabe de outra coisa? Não
dá para ser Cristão em nenhum outro lugar a não ser na igreja. Foi por isso que
o Senhor a criou e é assim que ele planeou. Temos que crescer na maturidade,
parar de agir como se Deus tivesse filhos únicos (e nós fossemos esse filho
especial) e entender que a Igreja não é uma utopia ingénua plena só de virtudes
e repleta só de amor.
Eugene Peterson perguntava porque é que idealizamos aquilo
que o Espirito Santo não idealizou? Nas páginas do Novo Testamento, na famosa e
tão desejada igreja primitiva, temos um quadro bastante real e vívido de uma
igreja nada utópica, nada ideal. Havia discussões, hipocrisia, mentiras e
mudanças de atitudes por interesse. Havia gente interesseira, mercenários e
vilões, falsos mestres e até mesmo patifes. Mas havia poder para fazer
milagres, havia manifestação da graça de Deus, havia compaixão e espirito
missionário. Havia gente sendo salva e gente sendo usada por Deus. Essa é a
igreja de Jesus. Um lugar de maravilhas indescritíveis em meio a tragédias, dramas
e dificuldades. Uma seara de bom trigo com joio também em abundancia. Tudo
porque a igreja é feita de homens e mulheres que ainda vivem num mundo dominado
pelo pecado e que lutam para vencer o maligno. Idealizar a igreja como um local
de santidade perfeita e amor altruísta sem mácula é criar uma utopia ingénua
que não nos ajuda, não ajuda os outros, não representa a realidade e por fim
não ajuda a estabelecer o reino de Deus na terra.
Quando começamos a deixar de lado a utopia ficamos mais
leves e mais livres. Não estou sugerindo desmazelo e falta de cuidado com a
pureza da Igreja. Não estou propondo que deixemos o pecado solto e sem
disciplina. Não estou pedindo que passemos a fechar os olhos a tudo que há de
errado no seio da comunidade. Não estou desejando que se persista em erros
doutrinários heréticos e claramente destoantes das escrituras. Isso seria
contrário a colocação bíblica de que a igreja deve se apresentar ao noivo como
noiva sem mancha preparada para a festa de casamento. O que proponho é menos
hipocrisia, menos escândalo fácil e menos facilidade em deixar a congregação
quando a primeira coisa não acontece como eu queria. Vamos deixar de ser tão
enfatuados e reconhecer a verdade: não somos perfeitos, fazemos parte da
igreja, logo a igreja não será perfeita! Tenho dificuldades, luto com crises e
dúvidas, faço parte da igreja, logo a igreja terá dificuldades, crises e
dúvidas. Sou abençoado, ouço o Senhor, faço sua obra por vezes de modo
extraordinário, faço parte da igreja, logo a igreja será também abençoada,
receberá a revelação do Senhor e actuará de modo por vezes extraordinário.
Desejamos momentos de esplendor e maravilha. É natural.
Creio que é uma das manifestações da saudade que temos do Éden. Saudades do paraíso. Mas sejamos também realistas nisto. Maravilhas não duram muito. Fogos-de-artifício
não podem se prolongar o tempo todo. Concordo novamente com Peterson quando
escreve que “todo esplendor tem vida curta”. Na nossa vida é assim. Temos os
tempos da paixão, do romantismo que nos deixa sem dormir ou comer. Mas ninguém
vive assim a vida toda. No seguimento saudável da paixão virá o amor, a
amizade, a partilha, a cumplicidade que perdura muito mais e que de vez em
quando reanimará o fogo da paixão. É assim no trabalho, nos estudos, na
verdade, em tudo de nossas vidas. E porque seria diferente na Igreja? Igreja
não pode ser apenas esplendor. Não aguenta ser apenas fogo-de-artifício. O
cotidiano é laborioso, tem pouco glamour,
mas é o que põe o pão na nossa mesa e sustenta a família.
Deixar a utopia ingénua é um presente à igreja. É encará-la
com o realismo que a faz crescer e florescer. É reconhecer que minha parte é
importante, mas a de outros também. Que nem sempre terei a melhor ideia, que
nem sempre serei eu a mostrar a melhor solução, que nem sempre concordarei com
tudo e todos, mas que juntos construiremos uma comunidade onde a graça se
manifestará, a glória por vezes brilhará e a salvação alcançará a muitos.
Deixar a utopia ingénua é assumir o compromisso de lutar, de viver, de contribuir
e me engajar de corpo e alma por aquilo que Jesus nos deixou na confiança que
Ele ama sua igreja e a usará como luz e estandarte neste mundo. E reitero, a
Igreja de Jesus é a mais extraordinária comunidade que existe na terra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário