A história é comum a qualquer consultório
médico. O doente se queixa de ter apanhado uma infeção grave justamente onde
deveria tratar de sua saúde. “Doutor” dizem com voz grave e ar acusador “fui lá
com uma simples dor de garganta e saí com uma pneumonia bilateral” e em seguida
conta o rol de tratamentos complicados e procedimentos dolorosos a que se teve
de submeter para se livrar de algo que apanhou no ambiente hospitalar.
Do ponto de vista da lógica, o
ocorrido nem é tão estranho assim. Todos sabemos que o ambiente hospitalar é o
mais infetado que existe. Afinal, praticamente todos que para li se dirigem
levam algum tipo de problema físico e boa parte carrega germes, bactérias e
vírus deixando depois o agente infecioso no ambiente. A probabilidade de um
doente, já com as defesas baixas, adquirir algo nesse contexto é alta. Por isso
mesmo os médicos procuram tratar os doentes ambulatoriamente e uma vez
internados procuram diminuir o mais possível o tempo de permanência no
hospital.
Por outro lado, não deixa de ser um
pouco estranho e até contraditório, que o local onde se vai buscar o tratamento
seja a origem de tantas mazelas e por vezes mesmo de problemas que se tornam
fatais. Se não posso confiar no hospital para me tratar e tenho que temer seu
ambiente, fica difícil saber o que fazer quando estou doente. Isso se torna
ainda mais evidente quando leio e descubro que boa parte dessas infeções
hospitalares só se adquirem exatamente nesse ambiente e não as apanhamos em
nenhum outro lugar.
Ora, o que isso tem a ver com a
igreja? Muito! Não é de hoje que se compara a igreja a hospitais. Assim como os
hospitais existem para tratar os doentes, a igreja existe para ajudar a
resolver a maior de todas as doenças, a do espirito. Assim como os hospitais
tem gente preparada para lidar com os doentes a igreja deveria ser formada por
ex-doentes prontos a compartilhar a cura com os que a procuram. Assim como no
hospital se efetuam os tratamentos que restaurarão a saúde, na igreja se
administram as bênçãos que restauram a alma e o espirito para a comunhão com
Deus. Mas infelizmente as comparações não ficam por aqui. Se nos hospitais se
corre o risco de adquirir infeções únicas e graves, também na igreja há riscos de
se cair em pecados que fora dela seriam risco bem menor.
São pecados próprios da realidade
eclesiástica, que as pessoas de fora da igreja não experimentam mas que grassam
no seu meio. Exatamente no lugar onde deveríamos lidar com nossos pecados e
descobrir como nos livrar deles e de suas consequências, corremos o sério risco
de adquirir pecados bem específicos e graves para nossa saúde espiritual. Pensemos
em alguns dos mais comuns:
Hipocrisia: talvez a mais
comum das infeções eclesiásticas. E se é verdade que fora da igreja também
vemos hipocrisia, a realidade é que a hipocrisia que vemos nela tem
características únicas e é provocada exatamente pelo ambiente eclesiástico.
Estamos falando daquele fingimento que ataca os crentes de modo particular. A vida
dupla que se desenvolve naqueles que no domingo vestem uma roupa diferente
(domingueira), falam uma língua própria (evangeliques), olham de um modo
especial (altivez de santo) e se comportam como se fossem melhores que a
maioria dos mundanos sem Jesus. Esse mesmo personagem gravemente infetado vive
de segunda a sábado exatamente como o mundano que condena no domingo. Vê as
mesmas novelas e filmes, surfa os mesmos sites pornográficos na net, usa a
mesma linguagem pesada, conta as mesmas mentiras, engana igualmente nos
impostos, mostra total descontrole do temperamento, reage e pensa como se Deus
não existisse na prática. Mas no domingo o infetado parece sofrer de uma
amnésia parcial e seletiva. Esquece de como viveu durante a semana e condena
viva e brutalmente aqueles que fazem exatamente o que ele fez.
Ora essa
hipocrisia é adquirida no ambiente eclesial. Trata-se de um conjunto de
pressões que levam o individuo a sentir que precisa fingir para ser aceito.
Talvez o primeiro caso registrado dessa infeção seja o de Ananias e Safira em
Atos 6. O doente não percebe a gravidade de sua doença. Não entende que ela
nega a graça de Deus e a comunhão dos santos. Desconhece que em sua progressão
essa patologia leva à esterilidade espiritual e a falta total de comunhão com o
Senhor.
Orgulho
“Santo”: infeção
próxima da anterior mas com sintomas um pouco diferentes. Trata-se da
autojustificação de quem se esforça nas “coisas” de Deus, que se aplica na
“obra” de modo por vezes sacrificial e que ocupa posições e cargos considerados
importantes ou híper valorizados pelo próprio infetado. Esse orgulho leva o
doente a achar que vale mais que todos, que a vida da igreja depende dele, que
ninguém é capaz de se comparar a ele em importância e valor, que seu trabalho é
insubstituível e que seu galardão será o maior de todos. Essa espécie de mania
de grandeza espiritual afeta muitos crentes e é grave. Provoca ilusões e
alucinações, leva por vezes mesmo a formação de seitas e outros grupos onde a
infeção do portador inicial se torna uma verdadeira “peste negra” da igreja.
São os donos da verdade. Os detentores da ortodoxia original ou então os
descobridores da verdade final.
Essa infeção
leva o doente a esquecer que tudo vem de Deus, que a graça é sempre soberana,
que nada temos que não tenhamos recebido, que o corpo de Cristo é composto por
muitos membros e todos são valiosos e necessários. Essa infeção cega o doente
para o valor de seu irmão, torna-o surdo para a verdade proclamada pelo outro,
e fecha o raciocínio para tudo que não seja de origem própria. Nas fases finais
costuma levar a afastamento da igreja e eventual morte espiritual.
Exclusão: Esta outra infeção é também comum em
meio eclesiástico e muito triste porque nega a verdade bíblica e a própria
razão de ser da igreja. Trata-se de uma forma de depressão gravíssima que
atinge aqueles que uma vez na igreja se vem cercados por orgulho, vaidade e que
são excluídos de certos grupos “superiores”. Tendo vindo do mundo onde não
percebiam o amor de Deus, esses doentes encontraram na igreja a fonte da graça
Divina. Mas depois, com o tempo de convivência, perceberam o pecado na igreja,
a hipocrisia dos crentes, a falta de amor da maioria, o egocentrismo de boa
parte dos “irmãos” e entraram em confusão. Se no lugar onde se diz conhecer a
Deus e receber os ensinos de Jesus se vive assim então não deve haver saída. O
doente entra em desânimo profundo, afasta-se desiludido e acaba por ser um caso
muito difícil de recuperar porque já experimentou todos os tratamentos e se
tornou imune a eles.
Neste caso
há falta de clareza de pensamento. Por vezes expectativas altas demais. É comum
julgar-se o todo por um ou dois indivíduos e as generalizações, sempre
perigosas, tomam conta do raciocínio levando ao desespero e a falta de
esperança numa solução. Por fim a cegueira impede que o doente veja qualquer
sinal da graça por mais evidente que seja e a anemia espiritual atinge a
gravidade máxima.
Conclusão:
talvez alguém me ache exagerado nessas descrições. Gostaria muito que tivesse
sido só isso. Infelizmente infeção hospitalar e a sua congénere eclesiástica,
são coisas muito sérias e precisam de ser tratadas como tal. Como em quase
todos os casos o reconhecimento é o primeiro passo. Precisamos identificar as
situações de pecados próprios da igreja e combatê-los de modo proactivo.
Para a
hipocrisia o tratamento é a humildade;
para o orgulho é a imersão na realidade
do corpo de Cristo;
para a exclusão é a realização da graça extraordinária
mesmo no meio das falhas e fraquezas.
Humildade se ganha servindo; a realidade
do corpo se adquire percebendo a diversidade de dons e apreciando os talentos
de todos; a verificação da graça se percebe não deixando que o maligno nos
encha com as mazelas dos outros mas ouvindo e louvando pelas bênçãos em tantas
vidas transformadas.
Infeção eclesiástica esta aí. Esteja atento e combata já!
Um comentário:
Olá Pastor Joed, tive o prazer de conhecê-lo pessoalmente há alguns anos na cidade de Resende-RJ. Seu texto é muito bom e "infelizmente" verdadeiro. Temos muitos doentes contaminados em nosso meio.
Deus continue o abençoando!
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