Eis uma questão interessante
e que no entanto nunca me tinha ocorrido. Se a Bíblia é a revelação de Deus, se
Ele é um Deus que fala e se comunica, e se a Bíblia é nossa principal forma de
receber revelação (uma vez que a presença encarnada de Deus entre os homens foi
para um período curto de tempo em Jesus) então porque a Bíblia terminou? Porque
não temos hoje profetas e apóstolos escrevendo as suas revelações com a mesma
autoridade de então?
Esta pergunta longe de ser
irrelevante está na verdade na raiz de uma das questões mais significativas
para todo Cristão – a autoridade das escrituras. Nós defendemos nossa fé
unicamente com base na Palavra Sagrada. A Escritura é para nós revelação
direta e especial de Deus para o Homem e nossa principal fonte de entendimento
de um Deus de outro modo transcendente. Mas vivemos num mundo que questiona
cada vez mais essa nossa afirmação. Vivemos num mundo que vê a Bíblia apenas
como mais um livro velho, válido pelo valor histórico e cultural, mas
irrelevante para nossas vidas práticas e não ser que sejamos fanáticos
religiosos obcecados pela igreja. E em que ficamos?
Nós cremos nas afirmações e
defesas internas da Bíblia como as de Paulo e Pedro e as marcantes afirmações
do Senhor Jesus:
“Toda a Escritura é
divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para redarguir, para
corrigir, para instruir em justiça; Para que o homem de Deus seja perfeito, e
perfeitamente instruído para toda a boa obra.” 2 Timóteo 3:16-17
“Porque a profecia nunca foi
produzida por vontade de homem algum, mas os homens santos de Deus falaram
inspirados pelo Espírito Santo.” 2
Pedro 1:21
“O céu e a terra passarão, mas
as minhas palavras não hão-de passar.” Mateus
24:35
Como podemos então entender
que essa revelação tenha terminado? Eis a questão que desejava meditar
brevemente com os irmãos.
Iniciamos com o próprio
conceito de revelação de Deus. Ele era NECESSÁRIA, ou seja, não tínhamos
capacidade, como humanos limitados que somos, de perceber a verdade de Deus se
Ele mesmo não se revelasse. Na Bíblia encontramos essa revelação a nós que nos
permite conhecer a Deus, sua pessoa, sua forma de agir e seus planos.
Mas essa revelação era
SALVADORA ou seja, era feita de modo a trazer o homem de volta a comunhão que
tinha sido perdida no jardim quando do pecado. Toda a revelação de Deus na
Palavra visa só isso – o retorno do Homem ao plano original de Deus de viver em
comunhão plena e estável com Ele.
Essa revelação foi então
dada de forma PESSOAL. Foi revelação de um ser pessoal e outro ser pessoal, o
homem. O Senhor o fez por meio de homens que escreveram por Ele inspirados, o
que Ele desejava que ficasse escrito, de modo a estabelecer essa relação.
Enfatizamos isso porque a revelação não foi para nos trazer ritual, ou cerimónia
ou religião no sentido litúrgico, mas relação no sentido pessoal. A revelação
visava e visa a salvação e o resgate dessa comunhão.
A revelação de Deus foi
então PROGRESSIVA. O Senhor não
mostrou tudo de uma vez, mas como bom professor foi nos revelando passo a
passo, dando ao homem a capacidade de assimilar essas verdades. No AT temos
muitas coisas, que vivendo hoje, não são fáceis de entender. Mas tratava-se de
uma fase inicial da revelação. Como uma espécie de primária. O homem estava na
escola primária e não podia lidar com matéria de liceu ou de faculdade. Mas a
medida que o tempo passa, de modo progressivo e sistemático, o Senhor vai
levantando mais e mais o véu até Jesus, auge da revelação.
Ora, sendo salvífica e
progressiva, podemos então perceber que a revelação fosse passível de ser COMPLETADA. No que diz respeito ao que
precisávamos saber para a nossa salvação e a nossa volta a comunhão com Deus a
Bíblia termina porque acaba a revelação nesse sentido. Tudo o que precisávamos
saber para sermos salvos e voltar a comunhão com Deus foi dito. Tudo que era
preciso saber para viver bem com o próximo, ser cheio do Espírito de Deus,
cumprir nosso propósito nesta vida e estar preparados para a próxima, foi dito
e terminado. Por isso a Bíblia terminou.
É bem provável que os
escritores do texto sagrado não pudessem perceber o que estava acontecendo.
Olhamos para os escritos de Moisés, Davi, os profetas e mesmo os evangelistas
ou o Apostolo Paulo e os vemos como uma bordadeira debruçada sobre seu bordado,
cuidando para que aquela parte do trabalho fique perfeita. Mas pare um pouco e
recue permitindo uma visão completa do bordado e verá o que na verdade
representa cada parte do trabalho.
Nós vivemos em uma época
privilegiada. Podemos olhar o “bordado” terminado. Na Revelação que temos em
mãos há um trajeto completo, uma história terminada que começa num jardim e
caba numa cidade celestial, que começa com o homem criado perdendo a comunhão e
termina com ele vivendo em total harmonia com o Criador. Temos a aliança inicial
e a aliança final, o Israel de Deus e a Igreja de Cristo. Temos tudo e ficamos
maravilhados com o que o Senhor nos dá. Sabemos como tudo começou porque
começou e o que foi que deu errado. Somos orientados no caminho da solução do
problema maior do pecado e temos um vislumbre claro e definido de como tudo irá
acabar. Revelação necessária, salvífica, pessoal, progressiva e terminada.
Mas, não podemos terminar
aqui, apesar de tudo o que vimos ser maravilhoso e nos chamar de novo à
maravilha do livro que temos em nossas mãos. De facto temos a revelação de Deus
a nós de modo definitivo e completa e isso deveria nos fazer amar, proteger,
reverenciar essa revelação de amor e poder mais que qualquer outro bem que
tenhamos. Mas mesmo assim não podemos terminar porque se há verdade na
afirmação de que essa revelação salvífica está completa também é verdade que a
história ainda não terminou e somos a sua continuidade.
Podemos usar a metáfora de
uma peça de teatro em 5 actos. O primeiro: a criação de Deus, o segundo: a
queda em pecado, o terceiro: o povo de Israel, o quarto: a pessoa, obra e
salvação de Jesus e o quinto: a Igreja.
Este ato final não terminou.
Somos a Igreja. A continuidade da história e da atuação de Deus no Mundo.
O livro de Atos continua, somos o seu capítulo
29, a igreja viva e gloriosa. O povo escolhido, nação santa e ativa na terra
para que a vontade do Senhor seja cumprida em nós e através de nós.
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