"Buscai primeiro
o Reino de Deus e a sua justiça e todas essas coisas vos serão
acrescentadas"
Mateus 6:33.
Um dos textos mais conhecidos do NT e das afirmações de Jesus.
Talvez um dos mais usados e com razão. Surge num contexto sempre moderno e
atual. Jesus fala sobre ansiedade, estresse, pressões da vida diária, posse de
bens materiais. Fala sobre a atitude diante da vida e chama a uma prioridade
diferente. Mas o que queria Ele dizer? O que significava buscar o reino de Deus
e a sua justiça? O que entenderiam seus ouvintes da época ao ouvi-lo falar do
Reino de Deus? Entender isso será provavelmente uma das coisas mais importantes
para quem deseja seguir a Cristo. Então tentemos entendê-lo.
No tempo de Jesus a
expressão "reino de Deus" ou "reino dos céus" era bastante
comum. Muito mais que nos nossos dias. Mas o que significava? Certamente coisas
diferentes a pessoas diferentes, como até hoje. Podemos identificar pelo menos
três principais tendências na palestina do I século:
1)
Reino de Deus Imperial
Havia os que
entendiam que significava um domínio físico e efetivo de Deus na terra. Uma
dominação material. O Senhor daria vitória a seu povo, Israel e lhe devolveria
a dominação como nos tempos de Davi e Salomão e isso representaria o reino de Deus
numa época de paz e prosperidade nunca vista. É claro que Deus não viria
pessoalmente reinar e então se acreditava nessa visão que seria um governante
humano a ocupar essa posição.
Essa era a visão de Messias
da época. Era aceita pela maioria da população, pelos fariseus, partido
importante da época e pelos zelotes revolucionários. Seria, em última análise,
a visão que levaria às revoltas judaicas que acabariam por levar à destruição
de Jerusalém e à diáspora judaica pelo mundo.
Essa visão seria repetida
na história. O reino de Jerusalém, fundado pelos cruzados, era chamado de Reino
de Deus. Os reis europeus, muitas vezes, se apresentavam como representantes de
Deus, considerando-se príncipes designados diretamente pelo céu e por isso
autorizados a governar.
2) Reino de Deus Fora
do Mundo
Uma segunda visão
seria tida pelos essénios, grupo que pode ser visto como precursor dos
mosteiros e conventos cristãos. Criam que a sociedade estava toda pervertida e
para viver a vida certa, o reino de Deus, era preciso fugir do mundo e criar
comunidades santas. Eles viviam em mosteiros na zona do mar morto sob estrita
lei que era exigente ao máximo. Sua visão era escatológica na expectativa da
destruição do mundo e início de uma nova era. Essa visão radical era tida por
poucos mas muito respeitada.
3) Reino de Deus
Conformista
Uma terceira perspetival
dizia que já tinham esperado o messias tempo demais. O Senhor não iria dar a
Israel o governo. Já o dera a outros povos. Havia que aceitar isso. Viver o
reino de Deus seria reconhecê-lo na situação atual e fazer o melhor proveito
disso. Esses eram os conformistas que tentavam se adaptar a cultura dominante e
viver. Seriam os publicanos mas também os saduceus de modo diferente e a casta
sacerdotal dominante que fazia do templo sua fonte de rendimento. Para eles o
reino de Deus estava ali mesmo nos proveitos que tinham em tentar viver a vida
na presente situação.
4) Reino de Deus no
Porvir
Mais tarde, já na era
cristã, muitos interpretaram essa questão como o mundo do porvir. Aqui temos
aflições mas um dia deixaremos esta realidade e iremos viver noutra. Lá teremos
plena paz e viveremos fora do perigo do mal e do pecado. Lá será então total a
dominação do Senhor e viveremos uma verdade diferente. Lá será o reino de Deus
que aqui na terra não era possível conhecer.
O problema é que
Jesus não tinha nenhuma dessas posições. Ele sabia que o messias não seria um
guerreiro santo que devolveria o poder a Israel. Rejeitava essa visão. Mas não
entendia que se devia fugir da vida e por isso não levara seus discípulos para
mosteiros mas andava nas vilas e aldeias e era acusado de comer e beber com o
povo. Não os queria fora do mundo, mas brilhando nele.
Isso não tornava-o conformista,
pois não aceitava a governação vigente como correta. Foi ele quem atacou a
forma de os sacerdotes agirem inclusive expulsando os vendilhões do templo
aparentemente sem ter recebido autoridade para isso. Tampouco Jesus defendeu
que o Reino de Deus seria só para depois da morte, em outra vida, porque falava
aos discípulos exatamente das questões diárias que deviam ser enfrentadas. O que
era então o reino de Deus para Ele?
Jesus defendia o
plano de Deus eterno. O homem, criado para governar com Deus na terra, fora
criado puro e sem pecado. Aceitara um golpe de estado que deixara o maligno no
poder. Deus então encetara um plano de recuperação, renovação da humanidade e
da própria criação. Esse plano passava por formar uma comunidade nova de homens
e mulheres salvos do poder do mal, vivos para Deus e no meio de quem, em cujas
vidas, Deus pudesse reinar e mostrar o que seria seu domínio no porvir.
Era essa a posição de
Jesus. O reino viria um dia em forma física, mas começava já. Seria perfeito um
dia, mas não esperava pela consumação dos séculos. Não dizia respeito apenas a
uns poucos religiosos que viviam em separação de tudo, mas dizia respeito a
todo discípulo de Jesus em meio ao cotidiano. Dizia respeito a não se permitir
dominar pelas ansiedades de quem não conhecia o plano de Deus, não conhecia a
realidade maior e podia então viver pelo plano maior. O discípulo entende-se
parte dele. Baseando sua vida nas palavras e ensinamentos do mestre e salvador.
Jesus exemplificou
exatamente isso em sua vida e em sua comunidade de discípulos. Uma vida em prol
de outros. De serviço, de festa e alegria, de funerais e tristeza, de companheirismo
e amizade. Era vida no sentido maior.
No fim de sua
mensagem em Mateus 7: 24 a 27 deixava outra pista na parábola da casa
construída sobre a rocha. Em geral vemos essa história como falando de vidas e
podemos entendê-la assim. Mas Jesus falava de contrastes presentes. A casa em
construção que todo Israel acompanhava era o templo de Jerusalém. Era o sinal
maior das aspirações judaicas. Mas era construído por visões erradas do que
seria o reino de Deus e acabaria por ruir. Seria a comunidade de Jesus,
edificada em suas palavras que viria a triunfar. A profecia acertou em cheio. O
judaísmo decresceu e se manteve marginal na história do mundo enquanto o
Cristianismo se tornou a maior fé do planeta. Era a casa edificada sobre a
rocha - Jesus.
O que isso significa
para nós? Vamos parar de trabalhar? Vamos olhar o céu a espera que Jesus venha?
Vamos chorar aqui e aspirar pelo céu? Não. Jesus nos chama a ser parte de sua
renovação da humanidade. Parte do plano eterno de Deus. Vencendo a preocupação
com estas coisas que dominam as mentes de quem não vê o quadro maior. Podemos viver
e devemos viver. Trabalho, família, amizade, lazer, festas e funerais. Fizeram
parte da vida de Jesus e fazem da nossa. Mas sempre com uma visão maior. Somos
salvos pela graça. Somos instrumentos da graça. Somos chamados e viver para
mostrar a verdade de Deus e a sua vontade. Acima dos stresses e ansiedades da
vida sabendo que aqui e agora participamos da restauração da terra e vamos
reinar com Jesus.
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