Pedofilia na Igreja e a Disciplina Bíblica

Os recentes escândalos que têm envolvido a Igreja Católica com os actos de pedofilia trazem pesar a todo o mundo cristão. Não é possível ficar alheio ao que se passa. Toda a Cristandade sofre, porque os acontecimentos revelados levantam dúvidas e receios que se estendem a todos os ramos do Cristianismo e colocam em causa todas as lideranças espirituais. Muito tem se dito e muita é a hipocrisia reinante. Alguns fatos são porém incontestáveis:

1) É profundamente lamentável que líderes espirituais estejam tão longe da verdade do evangelho a ponto de abusarem da confiança de crianças que foram colocadas sob sua supervisão. Toda reprovação será pouca diante de tal infâmia.

2) A Igreja é muito grande e os pedófilos, embora fortemente condenáveis, são uma pequena minoria da classe sacerdotal, pelo que não é correcto passar julgamento a toda uma classe pelos actos, mesmo tão reprováveis, de uns poucos.

3) Aqueles que forem encontrados culpados devem ser punidos com todas as penalidades próprias do meio religioso bem como dos meios judiciários.

4) A discussão sobre a pedofilia não acaba com a questão da igreja. Os actos de abuso contra crianças acontecem na sua maioria no contexto da própria família e é aí que o assunto deve ser tratado com a seriedade que necessita.

5) Tem havido muita hipocrisia na condenação da igreja com muita gente se aproveitando da situação para fazer julgamentos e afirmações totalmente desproporcionais.

6) Uma disciplina Bíblica bem aplicada teria cortado o mal pela raiz e é aqui que devemos trabalhar.

A Bíblia, ao contrário de muitos outros livros religiosos, não esconde a verdade sobre seus heróis. Aqueles que fizeram grandes coisas para Deus eram homens e mulheres de carne e osso e tinham seus defeitos. Lemos das vitórias de Davi, mas também de seu adultério, mentira e assassinato. Lemos da coragem de Elias, mas também de sua crise depressiva e fuga de Jezabel. Lemos das afirmações maravilhosas de Pedro, mas também de sua negação. A Bíblia não esconde que os seguidores de Jesus são pessoas falíveis que podem pecar. Chama-os porém à uma vida santa e dá orientações claras para a disciplina de todos os que caem.

Gostaria de trabalhar apenas um dos muitos versículos que falam de disciplina. Aquele que Paulo escreveu aos Gálatas, capitulo 6 verso 1:
 “ Irmãos, se alguém for surpreendido em algum pecado, vocês, que são espirituais, deverão restaurá-lo com mansidão. Cuide-se, porém, cada um para que também não seja tentado.” NVI.

Notemos as orientações desse texto:

1) Irmãos
Paulo começa lembrando em que contexto surge a disciplina na Igreja – o contexto da família de Deus. Não somos competidores, não somos inimigos ou adversários. Não estamos num clube ou associação. Somos irmãos. Somos família. Ter isso em mente é fundamental porque na verdade temos outro tipo de atitude quando estamos em família. Tratamos de outro modo, cuidamos de outro modo. A disciplina Bíblica começa e termina na família de Cristo, entre homens e mulheres que têm entre si a união dos laços do Espírito Santo.

2) Se
O condicional é muito importante neste texto. Implica que há necessidade de confirmação. A Bíblia pode ter sido usada para fazer “caça às bruxas”, mas não foi escrita para isso e se bem interpretada não se serve a esse fim. Há aqui um cuidado fundamental. Todo irmão deve ser considerado inocente até prova em contrário. Partir do principio da culpa é um mau principio e adultera os resultados. Temos o dever cristão de confirmar as acusações, verificar as circunstâncias, ter a certeza do que se passa, antes de passarmos adiante. Se esse cuidado fosse levado a sério eliminaria muitas das desagradáveis situações que vemos acontecendo nas igrejas.

3) Espirituais
A disciplina não é para todos e nem por todos. Não somente é preciso confirmar a falta antes de aplicar a disciplina como é necessário verificar a qualidade daquele que aplica a correcção. Paulo deixa claro que não são todos que podem actuar. Só os espirituais podem agir porque a disciplina bíblica é espiritual e não carnal.

A disciplina carnal visa derrubar, vingar, destruir. É cruel e depreciativa. Deixa marcas negativas profundas e na maioria das vezes faz mais mal que bem. A disciplina necessária na Igreja é espiritual, temperada, moderada, voltada para a recuperação, não demolidora, mas construtiva. Não são todos que a podem exercer. Há que recorrer aos espirituais, aos maduros na fé, aos experientes que estão sob o controle do Espírito Santo e do Senhor.

4) Restaurar
No original grego temos a palavra Katartizo de onde obteremos em português a noção de catarse. A palavra no seu original tem a ver com ajustar, completar, colocar direito, por na sua posição correcta, adaptar, reparar, reconstruir, consertar o que se partiu, reconciliar. Temos aqui a tradicional riqueza da linguagem Paulina na definição de uma disciplina do modo que o Senhor pretende.

A disciplina bíblica visa a restauração, a recuperação, a renovação, a reutilização e não o derrube ou destruição.  A noção de excomunhão em que o indivíduo é amaldiçoado ou declarado condenado ao inferno não é algo próprio da Igreja. Há casos em que se reconhece que alguém enganou-se a si mesmo e a Igreja e é declarado alguém fora da Igreja (Mateus 18: 17), mas o objectivo sempre foi o da restauração (Mateus 18: 15 e 16).

A disciplina bíblica não visa a vergonha ou a humilhação. Tampouco se trata de julgamento. A verdade é que, na maioria dos casos, o que nos move a julgar e condenar alguém é a crença (inconsciente, mas presente) de que isso vai levar o outro a modificar-se. Só que isso praticamente nunca acontece. Só quem tem condições de receber julgamento com sabedoria é exatamente o sábio (Provérbios 9:8) e esse provavelmente nem precisaria de repreensão. A disciplina bíblica não é para condenação ou julgamento, mas para restauração.

5) Mansidão
Novamente Paulo procura deixar clara a diferença entre a disciplina do mundo, feita em geral com raiva, indignação e brutalidade, e a disciplina que deve existir na Igreja, em mansidão. Não se trata de uma posição de fraqueza, mas de controle. É um poder ou domínio que se controla para aplicar a força necessária. A disciplina da Igreja tem que ser firme, mas controlada. Aquele que disciplina não pode descer o nível, tem que mantê-lo elevado. A mansidão da disciplina bíblica tem tudo a ver com o que já vimos de seu objectivo restaurador.

6) Guarda-te
A recomendação final parece explicar todos os cuidados referidos anteriormente. A razão pela qual a disciplina na igreja deve ser exercida só depois de confirmação e deve visar a restauração num espírito de mansidão é que todos somos falhos e temos que nos vigiar para não cair como aquele que está sendo corrigido.

Trata-se de grande presunção disciplinar os demais numa atitude de superioridade como se fossemos melhores ou estivéssemos acima da mesma falha. Devemos ter todo o cuidado antes de afirmar que nunca cometermos certa falha mesmo que ela nos pareça a coisa mais absurda do mundo. Pedro pensava e até afirmou que nunca negaria a Jesus. Mas, nas circunstâncias certas caiu e aprendeu na amargura a ser menos arrogante.

Conclusão:
Devemos clamar ao Senhor pelas vidas de todas as crianças que foram molestadas num contexto religioso cristão. Ter a esperança que seus corações não se fechem ao amor genuíno de Deus em Jesus. Essas pessoas devem receber todo o apoio necessário para vencerem suas dificuldades e crescerem como indivíduos livres na vida. Os culpados devem ser castigados segundo as leis de Deus e dos homens. Sobretudo a Igreja deve voltar às escrituras e lembrar que a disciplina bíblica é fundamental para a vida da Igreja. A vigilância é o preço, a oração o método, o Senhor o guia para que a Igreja se mantenha pura e digna de ser usada como luz no Mundo.

Nenhum comentário:

Related Posts with Thumbnails

Manual do Corão - Como se formou a Religião Islâmica

Como entender o livro sagrado do Islão?  Origem dos costumes e tradições islâmicas. O que o Corão fala sobre os Cristãos?  Quais são os nomes de Deus? Estudo comparativo entre textos da bíblia e do Corão.  Este manual tem servido de apoio e inspiração para muitos que desejam compreender melhor o Islão e entender a cosmovisão muçulmana. LER MAIS

SONHO DE DEMBA (VERSÃO REVISADA)

Agora podes fazer o download do Conto Africano, com versão revisada pelo autor.
Edição com Letra Gigante para facilitar a leitura do E-Book. http://www.scribd.com/joed_venturini