Arrependimento é uma palavra conhecida do Cristão. Não faz
necessariamente parte do vocabulário de outras grandes religiões do mundo, mas
é essencial no entendimento cristão de salvação. Arrependimento e Fé são os 2
aspectos básicos da salvação. A mensagem do evangelho transmitida no Novo Testamento
começa por “arrependei-vos e crede”. Mas a contrição, o acto em si do
arrependimento, confissão de pecados em busca de perdão, nem sempre está
presente na vida cristã. Quando pensamos em contrição vem logo a nossa mente o
episódio de Davi com Bate-Seba e o Salmo 51, talvez o maior texto de contrição
da Bíblia.
Mas Davi era culpado de luxúria, adultério, mentira e
homicídio. Não temos dúvida da sua culpa e talvez por isso, sua contrição, por
mais bem entendida e exemplar, pode não se encaixar em nossa experiência. E se
não adulterei? E se não matei ninguém? E se meus pecados forem bem mais
prosaicos, mais corriqueiros. Haverá lugar para a contrição? E é por isso que
em vez do Salmo 51 vamos nos focar num homem justo em Daniel 9: 1 a 20.
Daniel é outra história. Ele não era um homem em pecado
flagrante e com um profeta em seu calcanhar. Era um homem íntegro, justo,
correcto, acima de qualquer acusação. Sua vida devocional era tão leal que
preferia ir parar a uma cova de leões do que parar de orar. Ele vivera sob dois
impérios e fora considerado homem superior por 2 culturas que não a sua. Este
era um exemplo de homem. Um candidato a canonização imediata. E no entanto sua
oração é de pura confissão. Seu clamor é de pura contrição e com ele aprendemos
alguns aspectos fundamentais do verdadeiro arrependimento:
Seriedade na Avaliação
Daniel não fora interrogado por um profeta como Davi para
chegar a conclusão de seu pecado. Fizera uma avaliação cuidadosa de sua vida e
da vida de seu povo. E como o fizera? Avaliando à luz das escrituras, em
particular dos escritos de Jeremias. Ele lera a palavra com espírito de
submissão a palavra de Deus e deixara que fosse essa a falar ao seu coração.
Ele encarara essa tarefa com a maior seriedade, em oração e jejum, em separação
de tempo e sem pressa. Ele queria permitir que o Senhor o sondasse e revelasse
sua vontade e sua presença e diante disso ele caiu em oração arrependida.
É provável que não tenhamos corações mais contritos pela
simples razão de que não buscamos o Senhor com seriedade. Não lemos sua palavra
com avidez a espera do que ELE tem para nos dizer. Não deixamos de lado tempo
para que seu Espírito Santo nos toque profundamente. Não permitimos nenhuma
sondagem. Paulo dizia aos Coríntios: examine-se o homem a si mesmo… uma vida sem
exame, sem avaliação, não tem valor. Mas também uma avaliação superficial e
rápida não terá mérito pleno. Daniel era um homem justo mas depois de uma
avaliação séria, e com a palavra como base, não pode deixar de sentir o seu
pecado e o da sua gente.
Se não temos o peso do nosso pecado diante de nós é porque
não nos avaliamos com seriedade, não deixamos o Espírito Santo falar aos nossos
corações, não permitimos que seja a Palavra a nos dar os padrões. E em nossas
avaliações superficiais e tendo como comparação outros teoricamente piores que
nós, acabamos por nos achar “bonzinhos”. Sentimos como o fariseu, que nem somos
assim tão maus. Nem sequer merecemos estar entre os pecadores. Esse tipo de
exame não faz jus a palavra de Deus. Não é a sondagem do Espírito Santo. Não
serve para nos encaminhar na senda da santidade. Ficamos insensíveis aos nossos
males e não chegamos a ver o poder de Deus a agir. Não vemos o céu aberto, não
recebemos revelação clara, não temos intimidade porque não se pode ver a Deus e
andar com ELE sem contrição de verdade.
Humildade Total
Mas a contrição de Deus, que faz um exame sério nos leva a
humildade. O Senhor resiste aos soberbos, ELE não tolera os orgulhosos. O
orgulho fez cair a Lúcifer, não nos derrubaria a nós, míseros pecadores? Todos
os verdadeiros servos do Senhor, que se chegaram a ELE de verdade foram
caracterizados por uma humildade genuína e total. Paulo se apresentava como o
pior dos pecadores. Ele dizia de si mesmo: miserável homem que eu sou… e nesta
passagem vemos o justo e íntegro Daniel a se arrepender no pó, com saco e
cinza.
Notemos bem: este seria provavelmente o melhor homem de
Israel. Ele que fora jovem para a Babilónia, que resistira aos manjares do rei,
que enfrentara Nabucodonosor, que se mantivera puro no meio da luxúria de uma
corte oriental, que servira a reis e imperadores e que agora na velhice se
mantinha sábio e consciente. Ele que passara a noite entre os leões por não
deixar de orar. É ele que se arrepende no pó.
Quando o Senhor falou com Ezequiel, apresentou a ele 3
homens que seriam o exemplo de piedade. Devemos perceber que não é avaliação
humana. É Deus falando e o Senhor disse: “Filho
do homem, quando uma terra pecar contra mim, se rebelando gravemente, então
estenderei a minha mão contra ela, e lhe quebrarei o sustento do pão, e
enviarei contra ela fome, e cortarei dela homens e animais. Ainda que
estivessem no meio dela estes três homens, Noé, Daniel e Jó, eles pela sua justiça
livrariam apenas as suas almas, diz o Senhor DEUS.” Ezequiel 14:13-14.
Percebemos o texto? Deus classifica estes 3 homens como especialmente justos e
puros diante dele. Daniel faz parte dessa lista. Ele era um favorito do Senhor
e no entanto se humilha no pó.
Vivemos demasiadamente obcecados pela nossa honra, pelo
nosso nome, pela nossa posição e não percebemos que isso é tudo vão diante do
Senhor. O que o Pai busca é gente sincera, sem mascaras, que o busquem de
verdade, que o adorem sem rodeios. O Senhor quer gente humilde e diante dele só
a humildade é resposta válida. Corações altivos não conhecem a contrição e não
sofrem pelo seu pecado. Não entendem o coração do Senhor.
Solidariedade com o pecador
Mas uma terceira coisa que aprendemos neste texto é que a
verdadeira contrição nos leva a chorar por nosso pecado e o pecado dos outros
ao nosso redor. Daniel clama pelo seu pecado mas pelo pecado de seu povo que
chama de nosso. Quando alguém aprende a olhar para o pecado como Deus olha, não
pode deixar de se horrorizar com o mal a sua volta. E não se horroriza para
amaldiçoar ou incriminar mas para chorar e clamar por perdão. Daniel olhou a
idolatria de Israel, sua rebeldia, sua falta de compromisso, sua imoralidade,
sua falha em seguir a lei e viu tudo isso como seu também. Não parou para
acusar Israel mas para pedir ao Senhor perdão em lágrimas e em arrependimento.
Quando foi a última vez que choramos pelo pecado do nosso
povo? Que olhamos para as manchetes de nossos jornais e sofremos? Que vimos a
maldade a nossa volta e isso nos levou a clamar por nossa gente? Vivemos num
país onde a idolatria domina, a ganância impera, os pobres sofrem cada vez
mais, os idosos morrem sem apoio, os poderosos riem da justiça. Diariamente
lemos de atrocidades cometidas em casas de família, por pais contra filhos,
maridos contra esposas, filhos contra pais envelhecidos. E como reagimos?
Choramos? Lamentamos? Clamamos?
Os protestantes retiraram a confissão da ordem do dia.
Deixou de ser uma actividade religiosa obrigatória. Mas ao fazê-lo esqueceram de colocar algo em seu lugar. Sem arrependimento e confissão não há perdão de
pecados. Sem contrição não há crescimento espiritual e na sensibilidade ao mau
que Deus deseja ver em nós. Está na hora de chorarmos, de lamentarmos, o nosso
pecado e o pecado do nosso povo que levou Jesus a cruz.
Está na hora de
confessarmos nossos pecados uns aos outros em humildade e humilhação e de nos
prostramos diante do Senhor em busca de misericórdia. Corações contritos e submissos não serão rejeitados pelo
Senhor.
Um comentário:
Grande texto!
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